As Influências Migratórias sobre a configuração Arquitetônia

de Ji-Paraná/ro na Amazônia Brasileira

                                                                                                                                     Laysa de Souza Maia

[email protected]

Aluna do Curso Técnico de Química integrado ao Ensino Médio

Do Instituto Federal de Rondônia – IFRO, campus Ji-Paraná/RO.

 

Micaela Carissimi Ferreira

[email protected]

Aluna do Curso Técnico em Florestas integrado ao Ensino Médio

Do Instituto Federal de Rondônia – IFRO, campus Ji-Paraná/RO.

 

Jania Maria de Paula

[email protected]

Geógrafa. Professora do Instituto Federal de Rondônia – IFRO,

 Campus Ji-Paraná. Ji-Paraná, Rondônia - Brasil.

 

RESUMO

O presente artigo discute um recorte dos resultados da pesquisa “A construção da paisagem geográfica de Ji-Paraná: das influências regionais à arquitetura moderna”. Teve por objetivo compreender a constituição do espaço construido de Ji-Paraná, a partir das influências culturais trazidas pelos diferentes grupos regionais que migraram para o município. Os resultados apontam para a formação de uma conformação arquitetônica multicultural, influenciada por diversos traços regionais, de acordo com as origens dos migrantes que formam a população da cidade. A pesquisa foi de natureza qualitativa iniciou com levantamento bibliográfico, aplicou técnicas de observação em campo, produção de registros fotográficos e aplicação de enquetes, considerando uma amostragem de 50 ji-paranaenses entrevistados. Parte dos resultados obtidos está expressa no presente texto e conclui sobre a importância da construção das territorialidades baseadas em modelos dos antigos territórios de origens dos migrantes.  Construir, estruturar ou colorir as residências nos mesmos padrões de suas regiões de origen é estabelecer laços de afetivadade entre o antigo e o atual local de moradia.

 

Palavras-chave: Ji-Paraná. Influências migratórias. Territórios

 

 

MIGRATORY INFLUENCES ON JI-PARANÁ/RO ARCHITECTURAL CONFIGURATION IN THE BRAZILIAN AMAZON

 

ABSTRACT

This article discusses an analysis of the results of the research "The construction of the geographical landscape of Ji-Paraná: from regional influences to modern architecture". The objective was to understand the constitution of the built space of Ji-Paraná, from the cultural influences brought by the different regional groups that migrated to the municipality. The results point to the formation of a multicultural architectural conformation, influenced by several regional traits, according to the origins of the migrants who make up the population of the city. The research was qualitative in nature started with bibliographic survey, applied observation techniques, production of photographic records and application of surveys, considering a sample of 50 ji-paranaenses interviewed. Part of the results obtained is expressed in this text and concludes on the importance of building territorialities based on models of the former territories of migrants' origins.   Building, structuring or coloring the residences in the same patterns of their regions of origin is to establish bonds of affectiveness between the old and the current place of residence.

Key words: Ji-Paraná. Migratory influences. Territories.

 

Artículo recibido: 05 de Abril 2021

Aceptado para publicación: 28 de Mayo 2021

Correspondencia: [email protected]

    Conflictos de Interés: Ninguna que declarar

 

 

 

 

 

1. INTRODUCÃO

Do ponto de vista sociocultural, o Estado de Rondônia pode ser concebido como “colcha de retalhos” resultante do convívio, nem sempre sem conflitos, das populações locais com as populações transplantadas que foram influenciadas a ocupar áreas do estado a partir de ações institucionalizadas pelo governo brasileiro em garantia aos interesses do capital.

Não fugindo à tal realidade, o município de Ji-Paraná, localizado no estado de Rondônia, porção meridional da Amazônia Brasileira, apresenta a mesma conformação sociogeográfica: construído por temporalidades distintas, possui características culturais bastante heterogêneas entre sua população. Em tempos imemoriais, era habitado por populações indígenas como as etnias Arara e Gavião que até os dias atuais ocupam a Terra Indígena Igarapé Lourdes, no interior do município.

Os registros da ocupação do espaço pelos não indígenas datam ainda do século XIX, quando migrantes nordestinos fugindo da grande seca de 1877 se fixaram na região para extrair a borracha amazônica. A chegada da Comissão Rondon para a implantação da linha telegráfica que ligaria o estado de Mato Grosso ao estado Amazonas (1909) também atraiu novas levas populacionais, em sua maioria oriundas do Norte e Nordeste do país (NEVES, 1985).

Além da borracha, a descoberta de diamantes intensificou a migração desses grupos que buscavam melhores condições de vida. A atividade garimpeira impulsionou a economia local, conforme informações contidas no sítio da Prefeitura Municipal de Ji-Paraná (2019) em 1950 o vilarejo, então denominado Vila de Rondônia, já contava com uma população de 1.100 habitantes em sua sede distrital.

A partir de 1960 a abertura da rodovia BR-364 que foi suporte de entrada aos projetos integrados de colonização implantados e implementados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, além de colonizadora privada no caso específico de Ji-Paraná, fizeram com que o fluxo migratório se intensificasse mais rapidamente (PAULA, 2017). Nesta fase de migração grupos populacionais de outras regiões brasileiras rumaram para Rondônia, em maior parte os grupos oriundos do Centro Sul.                      

Apesar dos conflitos étnicos e culturais, Ji-Paraná passou a abrigar uma rica diversidade de povos que trouxeram ao município seu modo particular de viver e de produzir o território e sua territorialidades. Considerando tal diversidade, nossa proposta inicial de pesquisa intencionou diagnosticar a diferentes influências arquitetônicas que compõem o espaço construido de Ji-Paraná levando em conta as transformações estéticas que vem ocorrendo recentemente como a adoção de fachadas modernas com linhas retas e telhados aparentes, muros altos, todas impostas pelo mercado imobiliário. O texto que aqui apresentamos, é um recorte dos resultados obtidos pela pesquisa “A construção da paisagem geográfica de Ji-Paraná: das influências regionais à arquitetura moderna”, aprovada no Edital de Seleção de Projetos de Pesquisa com Iniciação Científica para o Ensino Médio (PIBIC EM) do Instituto Federal de Rondônia – IFRO, campus Ji-Paraná (Ciclo 2018 - 2019) e financiada pela mesma instituição.

2. ESTRATEGIAS METODOLÓGICAS

A realização desta pesquisa foi de natureza qualitativa, por permitir maior explicação das dinâmicas sociais enfatizando a interpretação do objeto dentro do contexto pesquisado (DEMO, 1995), iniciou com o levantamento bibliográfico histórico e arquitetônico da cidade.

Os trabalhos de campo foram realizados através da observação com produção de registros fotográficos.  A técnica da observação, nos permite confrontar as hipóteses e teorías com a realidade vivenciada (FRANCO e DANTAS, 2017), as observações tiveram como recorte físico 06 bairros do I Distrito de Ji-Paraná, a saber: Dois de Abril, Urupá, Jardim dos Migrantes, Presidencial, Santiago e Green Park e dois bairros do II Distrito que foram Nova Brasília e Valparaíso, além da área que marcam a formação inicial da cidade, localizada às margens do rio Machado em seu perímetro urbano.

Outro instrumento de pesquisa foi a utilização da enquete (questionário) e que em respostas rápidas, tem por objetivo o conhecimento de opniões, crenças, sentimientos, interesse, situações vivenciadas, etc. (GIL, 1999).  A aplicação da enquete atingiu 50 abordagens para detecção da percepção de parte da população sobre a transformação do espaço construido que vem ocorrendo na zona urbana de Ji-Paraná. O local escolhido para a aplicação da enquete foi a feira semanal realizada no Feirão do Produtor que recebe consumidores de todos os bairros da cidade.

Os dados coletado juntamente com os registros de campo direcionaram a construção das análises para a produção de relatório final de pesquisa. 

 

3.  A REPRODUÇÃO DOS AMBIENTES DE VIVÊNCIA

A arquitetura é parte da materialização de concepções de mundo manifestadas por um grupo humano. Um processo de construção socioespacial estará intimamente vinculado ao habitus de seus construtores, isto é, ao princípio gerador e unificador de práticas que quando manifestadas por um conjunto de agentes situados em condições homogêneas de existência, (re)produzirão práticas semelhantes (BOURDIEU, 2007) ainda que readaptadas ou ressignificadas para ambientes ecológicos diversos.

A concepção bourdiuesiana de habitus encaminha para a premissa de que cada povo se organizará no espaço geográfico respeitando as concepções próprias de sua cultura, formada a partir das condições ambientais dos locais em que estão ou estiveram inseridos.  

Quando um espaço geográfico é construído com a participação de populações migradas, como acontece a grande parte do estado de Rondônia, em especial ao ji-paranaense, ocorrerá tanto a sua organização adaptada às condições ambientais locais, quanto a reprodução de modelos presentes em seus antigos locais de moradia.

Nestes momentos, manifestam-se a construção das territorialidades, que para Sack (1986, p. 21) é a “tentativa de um indivíduo ou grupo em afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, através da delimitação e da afirmação do controle sobre uma área geográfica, tornando-a, então um território. De forma mais generalizada, este autor, concebe a territorialidade como a construção do lugar, então território ganha otras nuances de poder, torna-se também o local de pertencimento através da criação de laços afetivos com ele.

Quando se instalam dinâmicas de perda do território ou os processos de desterritorialização (DELEUZE, 1988 apud HAESBAERTH, 2012), é comum que na reterritorialização, ou a ocupação de novos espaços físicos para a construção de novos territórios, elementos sócioculturais dos antigos [territórios] sejam ali reproduzidos. 

Este também é o pensamento de Paula (2017) ao registrar que quando se trata especificamente da construção de espaços físicos em áreas ocupadas por processos migratórios, a sua reprodução deverá ocorrer em padrões muito semelhantes aos desenvolvidos nos antigos locais de moradia dos migrados. A presença de construções tais como casas que reproduzem os modelos do lugar de origem funciona como mecanismo de territorialização afetiva do espaço físico, onde reproduzir as formas arquitetônicas no novo local de moradia é a forma de repossuir os valores perdidos dos objetos que ficaram para trás no momento da partida (DARDEL, 2015).

A construção da casa é a produção de um espaço social, ela é a representação do espaço habitado. É, na verdade o prolongamento do ser, como argumenta Fernandes (1992):

O ser humano transforma a habitação numa manifestação e num
prolongamento de seu ser. O espaço habitado, enquanto lugar de intimidade é o mundo da acumulação da experiência. [...] e a habitação é esse recôndito que mais desperta os sonhos e as recordações. Na casa o ‘espaço contêm tempo-comprimido. A ela regressamos toda a nossa vida e nossa fantasia’ (FERNANDES, 1992 p.72).

Neste espaço habitado – a casa, seu interior é capaz de expressar as concepções de mundo de seus moradores, como os seu conceito de organização do espaço, as suas crenças e religiosidade. Assim, nos sugere o pensamento de Bachelard (1978, p 200) “a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como se diz frequentemente, nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos”. Um cosmos em toda a acepção do termo, um espaço construído e organizado para sustentar toda a dimensão de um modo de vida particular (PAULA, 2017).

Em áreas receptoras de populações migradas de diferentes regiões, tal qual Ji-Paraná, é possível perceber diferentes “cosmos” que juntos compõe o espaço construído local e que estabelecem as bases para a formação de um padrão cultural regional composto por elementos herdados de diferentes regiões brasileira.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

O conjunto arquitetônico da cidade de Ji-Paraná tem muito a dizer sobre as origens de seu moradores, os modelos de moradias que formam a paisagem local são resultados das influências migratórias advindas de outras regiões do país. Buscando sentirem-se mais confortáveis em um novo lar, as populações migradas costumam construir suas novas residências com base em padrões de construções anteriores. A reprodução destes padrões arquitetônicos garante-lhes maior comodidade em novos espaços de moradias (PAULA, 2017), a nova residência torna-se, então, o seu território afetivo.

As enquetes aplicadas junto à uma parcela da população local, mapeiam as suas origens migratórias e de suas famílias, demonstrando que Ji-Paraná é uma cidade construída a partir da influência cultural de diversas regiões brasileiras.

Quadro 01: Região brasileira de origem dos moradores de Ji-Paraná

Região de origem do entrevistado

V. a (*)

V.  %

Região de origem de

seus pais

V. a (*)

V. %

Norte

21

42

Norte

14

28

Sul

8

16

Sul

11

22

Sudeste

6

12

Sudeste

10

20

Centro-Oeste

8

16

Centro-Oeste

6

12

Nordeste

6

12

Nordeste

9

18

Outro país

1

2

-

-

-

Total

50

100

 

50

100

        (*) Valor absoluto

Fonte: Maia e Ferreira, 2019.

Do universo de entrevistados, 50% deles moram na cidade há menos de 20 anos; 44% afirmam viverem em Ji-Paraná num período entre 20 e 40 anos, enquanto os 6% restantes declaram residir na cidade há mais de 40 anos. Os tempos distintos de moradia coincidem com os períodos de entrada de grandes fluxos de migrantes para Rondônia, nos primeiros tempos chegaram nortistas e nordestinos, já após a década de 1970 os migrantes eram principalmente dos estados do Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais (SANTOS, 2007).

Cruzando tais informações com os dados apresentados no quadro 01, é possível concluir que os entrevistados que se declaram originários da região Norte são os filhos de migrantes que já nasceram no estado. Desse grupo, 50% afirma viver em Ji-Paraná há menos de 20 anos, são dados logo apontam para um intenso movimiento de migração interna no estado, confirmando as constatações de Paula e Dourado (2017) de que as migrações internas tornaram-se constantes em Rondônia.

Ainda analisando o quadro 01, mais da metade dos entrevistados (58%) são migrantes, assim como seus pais. Esses dados explicam as fortes influências culturais presentes na configuração arquitetônica local, assim como sugerem que o tempo decorrido das migrações ainda não foi suficiente para a formação de uma arquitetura regional própria que considere as especificidades do ambiente amazônico. As construções das residências locais são reproduções estruturais e estéticas trazidas dos antigos locais de moradias dos migrantes.

Ao analizar a constructo da configuração arquitetônica do estado do Paraná, Zani (2013, p. 11) registra que “a arquitetura em madeira foi marcante e predominou nas paisagens paranaenses até a metade do século XX”, em Ji-Paraná, a maior parte da estrutura das residências construídas a partir dos movimentos migratórios pos década de 1970, também foi a construção em madeira. Considerando que os maiores fluxos deste movimiento saíram dos estados do Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais, mas que mineiros e capixabas se estabeleceram por algum tempo no Paraná antes de seu deslocamento definitivo para Rondônia, é possível compreender porque a madeira foi tão empregada na configuração da arquitetura local.

Para abrigar uma população que se dirigia a Rondônia em busca de terra e trabalho, as cidades rondonienses surgidas ao longo do eixo da Rodovia BR-364, única via de entrada no estado para os migrantes, cresciam sem qualquer distinção entre zona urbana e rural ou como apontou Monte Mor (1980) nestes espaços houve pouca ou nenhuma diferenciação entre urbanitas e os colonos. Logo o modelo simples das construções era reproduzido tanto nas cidades, quanto nas propriedades rurais, e baseado na autoconstrução com a utilização da madeira, ficando popularmente conhecida como a “casa de colono”.

Em um estudo sobre a presença marcante da casa de madeira no Paraná, Imaguire Jr (1993) estabelece um conjuntos de fatores que explicam a situação, entre eles estariam a abundância dessa riqueza natural naquela região, a simplicidade das construções espontâneas e o baixo custo, permitindo assim que esse tipo de moradia se tornasse acessível a todos.  A mesma lógica se repetiu em Rondônia e que juntamente com o habitus, as questões econômicas e ambientais se tornam parte do arranjo de construção de uma determinada paisagem arquitetônica e devem ser contabilizadas na formação da paisagem (PAULA, 2017).

De modo geral, a utilização da madeira para a construção de moradias nas cidades rondonienses esteve relacionada à facilidade de acesso à madeira e a simplicidade da construção, o que torna esse tipo de moradia mais acessível e ainda hoje ampliamente empregada nas moradias mais simples das cidades rondonienses.

                          Quadro 02: Estrutura material da moradia

Estrutura material

V. a (*)

V.  %

Madeira

20

40

Alvenaria

19

38

Pré-fabricada

6

12

Mista

5

10

Total

50

100

                      (*) Valor absoluto

Fonte: Maia e Ferreira, 2019

 

Devido a sua escassez, não é mais viável economicamente a construção de casas em madeira. Ainda assim, 40% dos entrevistados afirmam que moram em residências com este tipo de estrutura, acrescidos dos 10% de entrevistados que declaram residir em casas mistas, isto é, aquelas resultantes de processos de autoconstrução e que ao longo do tempo sofrem reformas com substituições de parte de suas paredes de madeira por paredes de alvenaria.

Fig. 01: Residencia em estrutura completa de Madeira (janelas e portas)

                                        Fonte: MAIA e FERREIRA, 2019

 

Em Ji-Paraná, os migrantes originários da região Sul reproduziram a mesma estrutura de material e forma de construção – a madeira, as cores fortes e alguns padrões estéticos como os lambrequins, conhecidos também como “pingadeiras de polaco”, trata-se de elementos recortados em madeira que dão um acabamento rendado aos beirais, são encontrados em habitações de diferentes grupos étnicos de origem europeia (FOETCH, 2006, p. 92), foi incorporado à nossa paisagem com a primitiva função de pingadeira fazendo correr os filetes de água de chuva dos telhados para  proteger o madeirame da cobertura.

Figura 02:  Residência com presença do lambrequín

 

 

Fonte: MAIA e FERREIRA, 2019

Alguns dos lambrequins encontrados em Ji-Paraná apresentam modelos bastante simples, com menor riqueza de recortes e detalhes, entretanto, a sua presença remete à reprodução de padrões estéticos das antigas casas camponesas ou de casas de colonos do sul do país. A sua presença aponta para a tentativa de (re)produção de territórios afetivos. Tal prática ratifica as concepções de Santos (2006) sobre esta categoría de análise geográfica, para o autor territorio está relacionado ao sentimento de pertencer àquilo que se pertence, é a base do trabalho, da residencia, das trocas materiais e espirituais, é o local onde a vida flui. Neste sentido, a residência passa a ser a reprodução dos antigos territórios afetivos anteriores aos processos de migração.

Na configuração arquitetônica local é também visível a influência da cultura nordestina, com estrutura das moradias em alvenaria. Construídas muito próximas à rua, não apresentam áreas de quintais frontais ou áreas de jardins. São semelhantes as descrições de Reis Filho (1973 apud DUARTE JUNIOR, 2008, p. 60) em sua análise sobre a arquitetura nordestina, “as salas de frente aproveitavam as aberturas sobre a rua, ficando a abertura dos fundos para a iluminação dos cômodos de permanência das mulheres e dos locais de trabalho”.  

É mesmo a reprodução de uma arquitetura vernácula, aquela de base coletiva, resultante da interação do povo com o ambiente ou com antigos ambientes de vivência, e que não apresenta proposta teórica (CARVALHO, et al, 2016), geralmente edificada por camponeses e famílias de baixa renda das cidades do interior nordestino e que com a migração para algumas cidades de Rondônia, reproduziram nestas o padrão arquitetônico da região de origem. 

Figura 03: Moradias de influência arquitetônica nordestina

Fonte: MAIA, 2019.

Em Ji-Paraná, as residências com influências nordestinas não chegam a formar um conjunto arquitetônico significativo, pois a presença nordestina na cidade é menor que a presença de migrantes das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Mesmo assim, é possível encontrar casas diretamente ligadas à rua ou com recuos mínimos de quintais conforme atestam as figuras 03 e 04. 

Embora com poucas unidades, o modelo de moradias com influência arquitetônica nordestina está espalhado por diversos bairros da cidade e atestam o resultado dos processos migratórios que trouxeram populações nordestinas para Rondônia. Tais influências se explicam ao analisarmos o quadro 01, anteriormente apresentado, onde 12% dos entrevistados afirmam terem nascido na região Nordeste ou que 18% de seus pais serem originários daquela região.

Fig. 04: Residência arquitetônica de influência nordestina da década de 1970.

Fonte: MAIA, 2018.

 

A figura 04 apresenta uma das mais antigas residências da cidade, localizada em área próxima ao Rio Machado, região onde se iniciou a formação do núcleo urbano de Ji-Paraná. Se trata de uma construção de um outro tempo da cidade, já apresenta deteriorações e assim como outras residências com fachadas antigas carece de restauração e maior atenção por parte tanto da sociedade, quanto das autoridades competentes.

Em contato com representantes do Poder Público local, averiguamos que não existem projetos para revitalização e preservação de monumentos considerados históricos para a formação do espaço geográfico local. É preciso mencionar que o artigo 216 da Constituição Federal Brasileira assegura que os bens materiais e imateriais de um determinado lugar são portadores das identidades locais, regionais e também nacional, estão ligados à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.  O seu parágrafo 1º determina que: 

 O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação (C.F, 1988, p, 126).

Ao longo do tempo, estes modelos arquitetônicos tornam-se patrimônios históricos e culturais para as novas gerações, quando não preservados adequadamente contribuem para que parte da história de formação da cidade também se perca.

De forma suscinta, compreendemos aqui patrimônios históricos e culturais sob os conceitos de Riegl (1984) que os considera como bens específicos que em um determinado momento ganha valor de documento histórico, é “tudo o que foi e hoje não é mais” (op. cit., p. 37), mas que passa a ter valor histórico porque faz parte de uma cadeia de desenvolvimento social.

Encontramos também, pelos bairros da cidade a mistura de influências, como ilustra a figura 05, casas sem recuo para quintal, à margem da rua, mas com padrões de casa simples encontradas nas demais regiões que enviaram migrantes para Rondônia, tais como, telhados em duas águas e pequenas varandas frontais. Estes modelos de residências sugerem que são resultado da mistura de padrões culturais e que são fácilmente percebidos em áreas de migração.

Fig. 05:  Residência com adaptações de elementos estético culturais


Fonte: MAIA e FERREIRA, 2019

Os resultados da pesquisa vão de encontro ao que sustentam diversos autores sobre a produção do espaço geográfico em áreas de migração, em especial Santos (2008) que nos adverte sobre a necessidade de considerar a heterogeneidade do espaço habitado.  Para este autor, na mistura da formação/evolução do espaço habitado estão implícitas a enorme diversidade qualitativa sobre a superfície da terra, quanto a raças, culturas, credos, níveis de vida, etc.

A heterogeneidade de culturas presentes na cidade de Ji-Paraná contribui para o aparecimento de uma paisagem arquitetônica formada por diferentes elementos e estilos regionais, tais como o posicionamento da residencia sobre o terreno, suas formas, estruturas e materiais diversos, assim como a sua diversidade de cores. Esta rica organização espacial deve ser vista e compreendida como uma das características culturais da região que está em franco processo de formação.

Outro conjunto que merece atenção no arranjo arquitetônico local é aquele formado pelas palafitas, encontrado nos bairros situados às margens do Rio Machado. Esse conjunto de moradias parece ser um exemplo que resistiu ao tempo e as evoluções construtivas, são casas apropriadas para os períodos de cheia dos rios amazônicos.

Um conceito apropriado para explicar este tipo de moradia está contido em Ribeiro (2011, p. 08), “as palafitas são edificações erguidas sobre estacas que surgem devido à necessidade das populações construírem sobre a água. Há indícios de tais construções desde os tempos neolíticos”, em sua maioria têm estrutura de madeira, bastante elevada do chão para impedir a entrada das água fluviais ou de animais peçonhentos que podem ser trazidos pelas águas em período de cheia dos rios.

Figura 06:  Palafita do Rio Machado

Fonte: MAIA, 2018

Quando coloridas, apresentam em geral, nuances suaves entre tons de verdes, azuis e brancos.  Esse tipo de residência é a opção de moradia para os ribeirinhos urbanos do Rio Machado em Ji-Paraná. Livram-se dos alagamento em épocas de cheia e continuam mantendo seu modo de vida baseado nas atividades da pesca e na cultura cabocla amazônica.

O conjunto de palafitas às margens urbanas do Rio Machado restringe-se às áreas próximas ao rio, construído e ocupado majoritariamente pelas populações ribeirinhas.

Contudo, neste universo encontramos situação bastante singular, em trabalho de campo, ao observarmos uma palafita com padrão diferenciado de cores (verde e vermelho-castanho, fig. 07) nos causou curiosidade por se tratar de padrão de cores de residências com influências eslavas, população presente em diversas regiões de Rondônia a partir das correntes migratórias oriundas do Sul.

Na verificação com o proprietário, a hipótese se confirmou, tratava-se mesmo de um migrante paranaense de origem polonesa que migrou para Ji-Paraná há 30 anos, se tornou ribeirinho adaptando-se ao ambiente local e trabalhando com a pesca. Próxima à sua residência há outra moradia de cores fortes (vermelho e branco) que segundo nosso informante, é de propriedade de seu filho. Em um de seus comentários, ese informante nos relatou não apreciar as cores fracas que seus vizinhos utilizam para colorir suas residências, estas, logo ficam desbotadas e parecem não ter vida. Embora adaptado e plenamente inserido ao ambiente local, este migrante mantem alguna característica da cultura eslava, como o gosto pela coloração em tons fortes de suas residências. (PAULA, 2017).

Fig. 07: Palafita em cores de influência eslava

Fonte: MAIA, 2018

Este conjunto arquitetônico de palafitas precisa ser considerado patrimônio e cultural da cidade, pois encaixa-se nas Recomendações de Paris (1972, p 2) que determina como patrimônio cultural “os grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração com a paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência”. As palafitas às margens do Rio Machado são modelos de resistência, mas que estão se perdendo em meio aos novos padrões de construção.

Nos últimos tempos, tem sido comum a transformação de antigas fachadas das residências ji-paranaenses por modelos mais contemporâneos, construídas com telhados aparentes ou platibandas, com amplo uso de vidros e metais, conforme mostra a figura 08. Já existem bairros inteiros da cidade que apresentam este novo padrão de construção, bem como é bastante comum observar que casas com antigos telhados simples (duas águas) passam por reformas e remodelagem de suas fachadas.

São tendências que atendem aos ditames do mercado imobiliário, agregam diversos mecanismos como aparato de segurança e que terminam por formar um novo desenho da paisagem urbana, com fachadas totalmente encobertas por muros altos, portões eletrônicos e cercas elétricas e se tornaram a proposta de segurança para os dias atuais.

 

Fig. 08: Residência de padrão contemporâneo

Fonte: MAIA e FERREIRA, 2019.

Dessa forma, antigos costumes ou elementos culturais produtores do espaço urbano vão cedendo lugar às inovações com aplicações de novas tecnologias de construção. São fachadas modernas[1] que aos poucos estão criando uma sobreposição na estética das residências da cidade. Tendem a transformar a configuração arquitetônica deixando poucos ou nenhum vestígio das memórias da formação da cidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os modelos arquitetônicos encontrados em Ji-Paraná tem muito a dizer sobre a história da ocupação populacional do município. Das primeiras levas de migrantes até os dias atuais, a produção do espaço geográfico urbano relata as mudanças ocorridas ao longo do tempo.

Embora diversas fachadas das residências locais estejam sendo substituídas por fachadas mais modernas para cumprir as tendência do atual padrão imobiliário, é possível observarmos ainda, as fachadas antigas que testemunham as origens da cidade, ao mesmo tempo em que funcionam como elementos de resistência frente ao novo. Sua preservação, neste contexto, é de suma importância para a comunidade local, pois fazem parte da história da construção do espaço geográfico de Ji-Paraná, e, portanto, retrata a memória da formação da sociedade local. 

É preciso considerar que as misturas de variados padrões arquitetônicos elaborados no espaço urbano a partir das diferentes influências migratórias é, hoje, parte integrante da identidade regional de Rondônia. Esta “mistura” de elementos arquitetônicos compositores da paisagem, ou a junção deles em uma única construção pode ser compreendida como elementos componentes da cultura local que encontra-se em processo de formação.

Neste sentido, torna-se urgente a superação da ideia de senso comum que considera Rondônia ou regiões específicas do estado, notadamente o caso de Ji-Paraná, como locais sem cultura ou sem identidade próprias por resultarem de recentes processos de migrações e que possuem formações sociais relacionadas ao convívio de populações nativas e migradas. É exatamente a rica diversidade de características peculiares da diferentes regiões de origem dos migrantes que está tecendo, gradativamente, a base da cultura e da identidade local.

6.LISTA DE REFERENCIAS

BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

BOURDIEU, P. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP, 2007.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016.

CARVALHO, R.; CARRÉRA, M.; SURYA, L. Arquitetura vernacular no sertão de Itaparica-PE: experiência de registro como memória. Revista Noctua, número 1: p. 66-78, 2016. Disponível em: http://fundacaoparanabuc.org.br/arquivo/e6aa7_Leandro.pdf. Acesso em 21/09/2019.

DARDEL, E. O homem e a terra: natureza da realidade geográfica. São Paulo: Perspectiva, 2015.

DEMO, P. Metodologia científica: em ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1995.

DUARTE JUNIOR, R. Arquitetura colonial cearense: meio ambiente, projeto e memória. Revista CPC.  São Paulo, n. 7, pp. 43-73, nov. 2008/abr. 2009. Disponível em:

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FERNANDES, A. T. Espaço social e suas representações. IV Colóquio Ibérico de Geografia. Cidade do Porto, 1992. Disponível em: ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo6661.pdf. Acesso em 13/12/2019.

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[1] O termo moderno é empregado aqui em sentido de senso comum (recente, dos dias atuais (FERREIRA, 2000). Não se trata de referências aos padrões e representações da Arquitetura Moderna, presente no mundo ocidental durante grande parte do século XX.